// Comunicação

17 Março, 2020

COVID-19 | Teletrabalho | Notas práticas

Nunca se ouviu tanto falar de teletrabalho como nos últimos dias. Perante a urgência de os empregadores reduzirem o impacto do novo coronavírus na sua atividade, a modalidade do teletrabalho, cujo regime jurídico podemos encontrar nos artigos 165.º a 171.º do Código do Trabalho, assume-se como uma importante ferramenta pela manutenção dos postos de trabalho e funcionamento da empresa. 

 

Em que consiste afinal o teletrabalho?

De forma sucinta, e nos termos do disposto no artigo 165.º do Código do Trabalho, o teletrabalho consiste na prestação laboral realizada com subordinação jurídica, normalmente fora das instalações da empresa e mediante o recurso a tecnologias de informação e comunicação. São muitas as empresas que disponibilizaram já aos seus trabalhadores, telemóveis, computador portátil, acessos remotos, entre outras ferramentas que permitem a realização da prestação por via do teletrabalho.

A existência de subordinação jurídica permite distinguir este regime outras figuras potencialmente confundíveis, por exemplo, o trabalho no domicílio, em que não há subordinação jurídica (e que tem um regime contributivo para a Segurança Social distinto).

O contrato de teletrabalho, quando resulta do acordo de ambas as partes, está sujeito à forma escrita, condição exigida apenas para prova da estipulação do regime de prestação neste regime. Deve conter ainda, além da identificação das partes, atividade e período normal de trabalho, a propriedade dos instrumentos de trabalho, o responsável pela respetiva instalação, manutenção e pagamento das respetivas despesas de consumo e utilização, bem como a identificação da pessoa que o trabalhador deve contactar no âmbito da prestação laboral.

Até agora o teletrabalho era um recurso pouco utilizado e praticamente direcionado para situações específicas, como trabalhadores com filhos até três anos de idade ou trabalhadores vítimas de violência doméstica, a quem a lei expressamente atribui a possibilidade de desempenho das funções mediante teletrabalho, desde que as tarefas sejam compatíveis com esta modalidade de trabalho.

Porém, com a publicação do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que instituiu medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, e com a legislação entretanto publicada relativa ao estado de emergência, o regime do teletrabalho passa a ser obrigatório para quase todos os trabalhadores (trabalhadores de serviços essenciais ficam excluídos), desde que as funções não exijam a presença física na empresa,  e o paradigma das relações laborais tradicionais altera-se.
Durante a vigência do Dl n.º 10-A/2020, (que está em vigor desde o dia 13-03), «o regime de prestação subordinada de teletrabalho pode ser determinado unilateralmente pelo empregador ou requerida pelo trabalhador, sem necessidade de acordo das partes, desde que compatível com as funções exercidas» (art.º 29.º). Resulta, pois, manifesto, que o recurso a esta forma alternativa de laboração não está condicionada ao acordo das partes, bastando que se mostre viável a sua execução, atenta a natureza das funções desempenhadas. 

 

Direitos e deveres dos trabalhadores no teletrabalho
Tendencialmente mantém-se os direitos e deveres que decorrem do contrato de trabalho já celebrado. Há, no entanto, alguns aspetos que devem ser ponderados.
O teletrabalhador tem direito à reserva da intimidade da vida privada, devendo ser salvaguardado que o teletrabalho não signifique uma invasão do espaço familiar. 
O trabalhador continua a ter direito a fazer as mesmas pausas e intervalos que já fazia, e a manter os intervalos de almoço ou jantar.
Fora do horário de trabalho, o empregador deve respeitar o direito à desconexão, sob pena de ficar responsável pelo pagamento de horas extraordinárias. 
Relativamente aos deveres, mantém todos os deveres decorrentes do contrato de trabalho e o incumprimento pode ser punido disciplinarmente.


Procedimento e comunicações
Embora tal não resulte do regime especial previsto no identificado decreto-lei, a passagem, ainda que transitória, para teletrabalho deverá ter subjacente documento escrito, pelo que, quer haja sido instituída por acordo (que como vimos não constitui condição essencial), quer haja sido determinada ou solicitada, respetivamente pelo empregador ou trabalhador, aconselhamos a que exista documento escrito suscetível e cumprir a exigência do n.º 7 da norma do artigo 166.º - prova da prestação em teletrabalho.


Comunicação junto da Segurança Social
Além disso, e porque se trata de alterar, embora temporariamente, a modalidade do contrato de trabalho, cremos que os empregadores deverão comunicar à Segurança Social a respetiva alteração, nos termos do disposto no artigo 32.º do Código Contributivo, comunicação a fazer até ao dia 10 do mês seguinte àquele em que se verifique a alteração (artigo 8.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01 na sua atual redação) – sem prejuízo destes prazos poderem vir a ser suspensos na legislação que entretanto for publicada.


Comunicação junto da Seguradora
A Associação Portuguesa de Seguradores fez constar um comunicado no seu sítio eletrónico de que «serão considerados como acidentes de trabalho, nos termos da legislação em vigor, os acidentes ocorridos no desempenho de funções em regime de teletrabalho, seja por indicação de autoridade pública ou da entidade empregadora. Lembramos as empresas que devem documentar o teletrabalho, nomeadamente identificando os trabalhadores, datas e horas autorizadas, e as respetivas moradas onde vai ser prestado o trabalho».
Assim, os empregadores deverão comunicar às seguradoras com quem têm contratualizado o seguro de acidentes de trabalho, o endereço onde os trabalhadores em regime de teletrabalho estão a desempenhar as suas funções.


Subsídio de refeição  
Outra questão que muito se tem colocado neste domínio é saber se enquanto o trabalhador está a trabalhar em regime de teletrabalho mantém ou não o direito ao subsídio de refeição.
Esta situação não é pacífica. 
Como é sabido o Código do Trabalho não impõe o pagamento aos trabalhadores de subsídio de refeição/alimentação, sendo que o mesmo só será devido se existir Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho que a tal determine. Porém, estando o trabalhador a receber subsídio de refeição e sendo agora alterada a modalidade do seu contrato de trabalho para regime de teletrabalho, prestado em casa, como fica a questão do subsídio de refeição? 
O subsídio de refeição, em regra, não integra o conceito de retribuição e constitui uma prestação paga pelo empregador ao trabalhador destinada a compensá-lo pelas despesas incorridas por este, pelo facto de o trabalhador ter de tomar a refeição fora de casa. Assim, sob esta perspetiva, estando o trabalhador a trabalhar em regime de teletrabalho, em casa, parece fazer sentido que o empregador cesse o pagamento do subsídio de refeição, uma vez que o trabalhador pode almoçar/jantar no seu domicílio.
No entanto, o artigo 169.º do Código do Trabalho determina que o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, estabelecendo o princípio da igualdade de tratamento. 
De qualquer forma a retirada do subsídio, a ser feita, deverá constar de acordo para salvaguarda futura da empresa. 

 

Conceição Soares | Sócia

Suzana Fernandes da Costa | Sócia

 

|| A presente comunicação contém informação de caráter geral e abstrato e não constitui prestação de serviços profissionais ou qualquer forma de aconselhamento jurídico pela Brochado Coelho & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL. Antes da prática de qualquer ato ou tomada de decisão que o possa afetar, deve aconselhar-se com um profissional qualificado. A Brochado Coelho & Associados não é responsável por quaisquer danos ou perdas sofridos pelos resultados que advenham de qualquer tomada de decisão baseada nesta comunicação. ||